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EPIGENÉTICA: UM NOVO CAMPO DA GENÉTICA
EPIGENETICS: A NEW GENETIC FIELD
HENRIQUE REICHMANN MULLER1, KARIN BRAUN PRADO2
1 Acadêmico do Curso de Ciências Biológicas da Universidade Positivo, Curitiba -PR.
2 Professora da Disciplina de Imunologia do Curso de Ciências Biológicas da Universidade
Positivo, Doutora em Genética pela UFPR.
RESUMO
Epigenética é definida como modificações do genoma, herdável durante a divisão
celular, que não envolve uma mudança na sequência do DNA. Mecanismos epigenéticos atuam
para mudar a acessibilidade da cromatina para regulação transcricional pelas modificações do
DNA e pela modificação ou rearranjo de nucleossomos. Estes mecanismos são componentes
críticos no desenvolvimento normal e no crescimento das células. A regulação epigenética do
gene colabora com as alterações genéticas do desenvolvimento do câncer. Nesta revisão,
examinamos os princípios básicos dos mecanismos epigenéticos e suas contribuições para
o controle do ciclo celular, assim como as conseqüências clínicas dos erros epigenéticos.
Além disso, direcionamos nossa pesquisa para o uso das vias epigenéticas em ensaios para
tratamentos contra o câncer e para os resultados do Projeto Epigenoma Humano (PEH).
Palavras-chave: Metilação do DNA; Modificações das histonas; Ilhas CpG.
1 INTRODUÇÃO
O termo epigenética origina-se do pre-
fixo grego epi, que significa “acima ou sobre
algo”(1) e estuda as mudanças herdadas nas
funções dos genes, observadas na genéti-
ca, mas que não alteram as sequências de
bases nucleotídicas da molécula de DNA(2).
Os padrões epigenéticos são sensíveis a
modificações ambientais que podem causar
mudanças fenotípicas que serão transmitidas
aos descendentes.(1)
Segundo Tang e Ho(3), a epigenética é
definida como as mudanças herdáveis na ex-
pressão do gene que não alteram a sequência
do DNA, mas que são herdáveis pela mitose
e ao longo das gerações.
Feinberg(4) define a epigenética como mo-
dificações no genoma que são herdadas durante
a divisão celular e que não estão relacionadas
com a mudança na sequência do DNA.
Existem algumas características que
distinguem a epigenética dos mecanismos
da genética convencional: a reversibilidade,
os efeitos de posicionamento, a habilidade
de agir em distâncias não esperadas maio-
res do que um único gene.(4)
Existem dois mecanismos principais
envolvidos na epigenética: alterações nas
histonas e padrão de metilação do DNA,
que envolve modificações na estrutura das
ligações covalentes do DNA.(5) Esses meca-
nismos atuam modificando a acessibilidade
da cromatina para a regulação da trans-
crição localmente ou globalmente, pelas
modificações no DNA e pelas modificações
ou rearranjos dos nucleossomos.(6) Além
desses principais mediadores epigenéticos,
1 Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300- Bloco Marrom- Laboratório de Genética
Campo Comprido, Curitiba- Paraná, CEP 81280-330. Tel: (41) 3317-3296
2 E-mail: kbraun@up.edu.br
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há também a presença de RNAs não codi-
ficadores, que podem atuar interferindo na
transcrição de genes.(3)
Esses mecanismos regulam funções
celulares cruciais como a estabilidade do geno-
ma, a inativação do cromossomo X, o imprinting
gênico, a reprogramação de genes não imprin-
tados, e atuam no desenvolvimento da plastici-
dade como as exposições a fatores endógenos
ou exógenos durante os períodos críticos, que
alteram permanentemente a estrutura e a função
específica de sistemas de órgãos.(3)
Os nucleossomos e as histonas são
estruturas associadas ao DNA com a função de
organização da cromatina. Tal organização está
intimamente associada à expressão gênica. Mu-
danças na estrutura da cromatina influenciam a
expressão dos genes, sendo que, estão inativos
quando a cromatina está condensada e os genes
são expressos quando a cromatina estiver aberta,
ou seja, não condensada.(7) Esses estados dinâ-
micos da cromatina são controlados por padrões
epigenéticos reversíveis de metilação do DNA e
de modificações das histonas.(8)
A metilação do DNA é indispensável
para as funções do genoma dos vertebra-
dos e está relacionada com processos de
regulação gênica, estabilidade cromossô-
mica e imprinting parental.(9)
Existe uma forte correlação entre a
cromatina inativa com a metilação do DNA(10),
ou seja, a metilação silencia a expressão dos
genes. Quando o DNA estiver hipometilado, a
cromatina estará ativa, permitindo a transcri-
ção dos genes. Porém, quando o DNA estiver
hipermetilado a cromatina estará inativa, im-
pedindo a expressão dos genes.(5)
Ao contrário do genoma, que é idêntico
nos diferentes tipos celulares, o epigenoma é
dinâmico e varia de uma célula para outra, pois,
o epigenoma corresponde à cromatina, às pro-
teínas associadas e aos padrões de modifica-
ções covalentes do DNA obtidos pela metilação
e que permitem a organização e manutenção
dos programas de expressão dos genes.(5)
Nesta revisão, analisamos os prin-
cipais mecanismos epigenéticos e o modo
como esses atuam na regulação da expres-
são dos genes. Verificamos também, como as
modificações epigenéticas atuam na promo-
ção e/ou desencadeamento do câncer. Além
disso, descrevemos algumas terapias que se
utilizam do conhecimento da epigenética para
o tratamento do câncer. Relatamos também
os avanços nas pesquisas realizadas no es-
tudo do Projeto Epigenoma Humano (PEH).
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Mecanismos epigenéticos
Eventos epigenéticos incluindo a meti-
lação do DNA e as modificações das histonas
apresentam um importante papel para o desen-
volvimento normal e são cruciais para estabe-
lecer a programação correta da expressão dos
genes.(11) Para melhor compreensão do leitor,
as Tabelas 1 e 2 descrevem as enzimas e as
regiões do genoma envolvidas nos mecanismos
epigenéticos e um resumo de suas funções.
2.1.1 Metilação do DNA
Os padrões de metilação são estabe-
lecidos e mantidos nos dinucleotídeos CpG
(pares de Citosina-fosfato-Guanina) por uma
família de enzimas, as DNA metiltransferases
(DNMTs) que reconhecem os dinucleotídeos
CpG hemimetilados, depois da replicação do
DNA.(4) A metilação do DNA em células humanas
é restrita às adições covalentes do grupamento
metil na posição 5´ do anel da citosina e também
nos dinucleotídeos CpG, em uma porção menor
no CpNpG.(12) As ilhas CpG são localizadas, em
sua maioria, nas regiões promotoras de genes
e apresentam tamanho igual ou superior à 200
pares de bases (pb) sendo que há pelo menos
10 vezes mais metilação nessa região do que
em outras regiões do genoma com CpG.(9)
O processo de metilação é mediado, ao
menos, por três DNA metiltransferase (DNMT1,
DNMT3a, DNMT3b), que catalizam e transferem
o grupamento metil da S-adenosyl-L-metionina
(doador de metil) para as bases de citosina ou
adenina na molécula de DNA.(13) Acredita-se
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Tabela 1 - Enzimas envolvidas no processo epigenético do DNA.
Nome da enzima
Abreviação
Função
Consequências
DNA metil-transferase
DNMT
Catalisa a transferência
de grupos metil para o
DNA
Metilação do DNA-
silenciamento de genes
DNMT1
Mantêm os padrões de
metilação normais da
célula
DNMT3a e DNMT3b
Promovem uma nova
metilação no DNA,
principalmente nas ilhas
CpG
Histona desacetilase
HDAC
Promove a desacetilação
das histonas.
Retirada de grupos
acetila: inativa
cromatina
HDAC2
Demetilases de histonas:
Amino-oxigenases
dependentes de FAD:
LSD1 e JmjC
Retiram o grupo metil das
histonas através de um
processo oxidativo: LSD1-
reação de oxidação com
liberação de formaldeído;
JmjC- reação de oxidação
com α-cetoglutarato e Fe+2
com liberação de formal-
deído.
JHDM1- demetila o amino-
ácido Lisina da posição 36
da histona H3.
Retira grupos metil nas
histonas.
JHDM1 (demetilase-1
de histonas contendo
domínios de demetilação)
Histona acetil-transferase
HAT
Acetilação das
histonas: ativação da
cromatina
Histona Metil-transferase
HMT
Ex: SUV39
Fonte: Adaptação de D´Alessio A C & Szyf M. 2006.
Tabela 2 - Regiões do genoma e suas funções na epigenética.
Regiões do DNA/histona
Siglas
Funções
Domínio de ligação da metilação
MBD
Local de ligação das proteínas liga-
doras de DNA metilado, ex; MeCp2
e recruta proteínas modificadoras
de histona para os genes metilados.
MBD2
MBD2- demetila DNA “in vitro” e “in
vivo”. Tem ação em genes demetila-
dos endogenamente.
Membro do complexo multiproteico
policomb PRC2
EZH2
Recrutamento de DNMTs e localizar
no DNA o ponto de metilação.
Fonte: D´Alessio A C & Szyf M. 2006.
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que os padrões de metilação do DNA são re-
lativamente baixos durante o desenvolvimento
da célula e são realizados pelas DNMT3a e
DNMT3b, que catalizam a metilação de novo,
principalmente nas ilhas CpG.(14) Esses padrões
são mantidos nas células somáticas ao serem
copiados para as células-filhas pela DNMT1,
que replica os padrões de metilação de ge-
rações parentais metiladas para as gerações
seguintes ainda não metiladas.(15)
A metilação do DNA interfere na expres-
são dos genes por meio de mecanismos diretos
e indiretos. Primeiro, a metilação de ilhas CpG
presentes nas regiões promotoras dos genes
impede diretamente, através de uma barreira
física, o seu reconhecimento pelos fatores de
transcrição, resultando na inativação do gene.
(16,17) Segundo, a metilação ocorre em uma re-
gião que apresenta domínios de ligação para
a metilação (MBD), que se localiza ao redor
de um sítio de regulação da transcrição e atrai
de forma indireta as proteínas de domínio de
ligação de metilação, como as MeCp2, que
recrutam correpressores e desacetilases de
histonas (HDACs) inativando a configuração da
cromatina ao redor do gene, desligando-o.(18,19)
As ilhas CpG são alvos de proteínas
que se combinam com os CpG não metilados
e iniciam a transcrição do gene. Tipicamente
as regiões não metiladas dos pares CpG são
localizadas em genes de tecido-específico e
em genes essenciais, como os de manutenção,
que estão envolvidos na preservação da rotina
celular e são expressos na maioria dos tecidos.
(7) Em contraste, as regiões CpG metiladas são
geralmente associadas ao DNA silencioso,
pois apresentam as regiões MBD, que podem
bloquear as proteínas sensíveis à metilação (7)
A metilação do DNA também é con-
trolada pela cromatina, através de uma
interação bi-direcional entre ambas.(5) Os
mecanismos epigenéticos atuam na mudan-
ça da acessibilidade da cromatina para a
regulação da transcrição local e globalmen-
te, através de modificações na molécula de
DNA, via metilação, e também através das
modificações ou rearranjos dos nucleosso-
mos.(6) O DNA hipometilado está associado
com a cromatina ativa, acetilada e o DNA
hipermetilado é associado com a cromatina
inativa, isto é, hipoacetilada.(5)
2.1.2 Modificações nas histonas
O DNA nuclear encontra-se associado
às proteínas histonas. Ambos encontram-se
sob a forma da estrutura básica de conden-
sação do DNA, o nucleossomo. Este(20) é a
unidade básica da cromatina e é composto
por dois complexos idênticos, cada um cons-
tituído de 4 proteínas histonas, que formam
um octâmero. As proteínas histonas presentes
em cada nucleossomo são: a H2A, H2B, H3
e H4.(21) Duas voltas da molécula de DNA
incorporam-se a esta estrutura, que tem tam-
bém a proteína histona H1 associada ao DNA,
contribuindo para sua condensação.
As modificações das histonas regu-
lam as funções da cromatina alterando a
acessibilidade do DNA aos diferentes fato-
res que atuam em trans, como as enzimas
de transcrição, ou pelo recrutamento de
proteínas específicas que reconhecem as
modificações ocorridas nas histonas.(22)
Acredita-se que a acetilação das histonas
H3 e H4 nas caudas N-terminais seja um sinal
predominante para a ativação da cromatina,
aumentando a acessibilidade da maquinaria de
transcrição. Esse sinal é removido pela ação das
desacetilases de histonas (HDAC), que promo-
vem a condensação da cromatina.(5,23)
2.1.3 Acetilação de histonas e demetilação
de DNA
O fluxo da informação epigenética
pode ser realizado em ambas as direções:
da cromatina para o DNA ou vice-versa. Essa
bilateralidade é um mecanismo de autorreforço
para a manutenção da informação epigenética.
(5) A perda indevida de modificações da croma-
tina associada ao DNA metilado será rapida-
mente corrigida pelo recrutamento de enzimas
modificadoras de cromatina.(18, 19) E a perda
aberrante de metilação do DNA será corrigida
pelo recrutamento de DNMts pela cromatina
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modificada.(5) Existe uma interação entre as
enzimas DNMTs e HDAC e também entre as
DNMTs e metiltransferases de histonas para a
manutenção de certos padrões de metilação do
DNA que marcam a cromatina inativa.(24, 25)
As enzimas DNMts interagem com as
histonas metiltransferases como Suv39 e o com-
plexo multiproteico Polycomb PRC2, EZH2, que
promovem a metilação das histonas. As enzimas
DNMTs são as responsáveis pela manutenção e
geração de padrões de metilação na célula.(5) Evi-
dências da importância da sua função nesse pro-
cesso surgiram dos estudos em camundongos
que apresentavam os genes EZH2 silenciados.
Nestes, ocorriam a perda de metilação do DNA
em locais que estavam marcados para serem
metilados e, mesmo assim, a metilação era efe-
tivada, devida a presença de DNMTs nos locais
demarcados, demonstrando que ocorria não
somente a metilação de novo, mas também era
mantido o padrão da metilação pré- existente.(25)
A existência da programação da expres-
são de genes baseadas na alteração da estrutura
da cromatina, em organismos em que o genoma
não contém citosinas metiladas sugere que, em
uma perspectiva evolutiva, as modificações da
cromatina precederam a metilação do DNA.(5)
Essa noção de que a inativação da cromatina
é anterior ao processo de metilação do DNA
foi observada em estudos em mamíferos, que
demonstraram que a quebra da cromatina
influencia na metilação de DNA.(5) Em camun-
dongos, a deleção do gene LSH, que codifica a
helicase SNF2, cujo produto está envolvido na
remodelagem da cromatina, produz uma perda
significativa de metilação nas ilhas CpG pelo
genoma(26), sugerindo que essa atividade de re-
modelação da cromatina pelo gene LSH é crucial
para manter os padrões de metilação do DNA.(5)
A estrutura da cromatina ativa pode pro-
mover a demetilação do DNA, ou seja, a remoção
dos grupamentos metil. A acetilação das histonas
é uma reação catalizada pela enzima histona
acetiltransferase (HAT) e é um evento primordial
para a ocorrência da demetilação do DNA. Estu-
dos realizados com inibidores de desacetilases,
como a tricostatina, indicaram a ocorrência de de-
metilação nos segmentos de DNA metilados.(27, 28)
Os mecanismos propostos para a
ação da acetilação das histonas atuando
como fator de demetilação do DNA são
os seguintes: em uma visão mais simplis-
ta do processo epigenético, as histonas
com caudas não acetiladas bloqueariam o
acesso das DNAs metil-transferases para
a cromatina condensada, e assim evita-
riam a metilação do DNA.(29) Um segundo
mecanismo propõe que a demetilação não
ocorreria imediatamente após a acetilação
das histonas, mas seria dependente da in-
teração com a enzima de transcrição RNA
polimerase II com o promotor metilado do
gene. Para movimentação da RNA pol II
ao longo do gene a ser transcrito, ocorreria
inicialmente uma fraca interação entre RNA
pol II e a maquinaria de transcrição com o
promotor metilado e parcialmente acetilado.
Essa interação aumentaria, à medida que
ocorresse demetilação no DNA provocada
pela acetilação das histonas. Na região
de ligação de metilação, poderá ocorrer o
recrutamento pela enzima RNA pol II, da
demetilase de DNA, MBD2. Assim, a quan-
tidade dessa demetilase é um fator limitante
para o processo de demetilação do DNA.(5)
2.2 Epigenética e Câncer
Eventos epigenéticos incluindo as modifi-
cações de histonas e a metilação do DNA são cru-
ciais para estabelecer a programação correta da
expressão dos genes e erros nestes processos
podem levar a uma expressão aberrante de ge-
nes e a uma perda de check-points anticâncer.(11)
O evento epigenético mais bem es-
tudado e que afeta diretamente o DNA é a
metilação. Tanto a hipermetilação das ilhas
CpG, localizadas nos promotores de genes de
supressão tumoral, e a hipometilação global
aparentam apresentar um importante papel
no desenvolvimento de câncer.(11) Ocorre um
padrão aberrante de metilação nos tumores
em relação aos tecidos normais. Os genes
supressores tumorais atuam normalmente
reprimindo o crescimento celular e metilações
nestes genes levam ao seu silenciamento
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e, por conseguinte, a sua perda de função.
Os genes conhecidos como protooncogenes
atuam favorecendo o crescimento celular de
forma ordenada. A hipometilação nesses ge-
nes promove o crescimento desordenado da
célula e a formação de tumores.(5)
O balanço entre a acetilação das his-
tonas e a sua desacetilação é fundamental
para regulação da proliferação das células.
Mutações no gene que codifica a enzima HAT,
ou translocações de partes cromossômicas
que envolvem esse gene, estão relacionadas
com o desenvolvimento de câncer.(5)
O aumento anormal da atividade
da HDAC pode resultar na inativação de
transcrição de genes supressores tumorais,
provocando a inibição de sua transcrição
devido a desacetilação das histonas seguida
da metilação do DNA, inativando o gene.(5)
Na transformação maligna da célula
são observadas importantes modificações,
como a perda da metilação em oncogenes
e em genes pro-metastáticos, hipometilação
global dos elementos repetitivos e hipermeti-
lação em um conjunto de genes, tais como:
genes supressores tumorais, genes de molé-
culas de adesão, genes do reparo do DNA e
em genes inibidores de metástases.
A hipometilação de genes específicos
talvez seja secundária para as mudanças
locais da cromatina, marcadas pelos fatores
de transcrição reconhecendo sequências
específicas. As mudanças globais na croma-
tina que ocorrem no câncer são devidas à
ativação das HAT, bem como da expressão
acima do normal de metiltransferase das
histonas que desencadeia a demetilação
global do DNA nas células cancerosas.
Poderá ocorrer também um aumento na
atividade da DNA demetilase, acarretando
uma demetilação global do DNA.(5)
Hipometilação leva à instabilidade ge-
nômica, que provoca quebras cromossômicas,
servindo como um mecanismo de ativação de
genes prometastáticos em estágios avança-
dos de câncer. A hipermetilação serve como
um mecanismo para um crescimento descon-
trolado dessas células metastáticas.(5)
2.2.1 Terapias epigenéticas para o câncer
O câncer é um processo em que er-
ros genéticos e epigenéticos se acumulam e
transformam uma célula normal em células
invasivas ou em células tumorais metastáti-
cas. As alterações nos padrões de metilação
do DNA mudam a expressão de genes as-
sociados ao câncer, entre esses, os genes
supressores tumorais e os oncogenes.(7)
Poucas são as terapias em vigência que
se utilizam da epigenética.(2,30,31) Entre essas,
tem-se aquelas que se utilizam de nucleosídeos
análogos aos do DNA, como o medicamento
Azacitidina, um análogo a nucleosídeos que
incorpora-se no DNA que está em replicação e
inibe a metilação, reativando os genes silencia-
dos previamente. Essa terapia está em estudo,
principalmente para doenças em que ocorre
hipermetilação de genes, como as síndromes
mielodisplásicas e leucemias.(31)
O oligonucleotídeo antisense MG98
que abaixa os níveis de DNMT1 está apre-
sentando resultados promissores na fase 1
das triagens clínicas e marcando tumores
sólidos e células cancerosas dos rins.(32)
As análises moleculares de biópsias de
cânceres de cabeça e pescoço, seguidas
do tratamento de MG98, revelaram a de-
metilação de genes de supressão tumoral
que se encontram metilados e também de
oncogenes que se encontravam metilados
anteriormente ao tratamento.(7)
Pequenas moléculas como o ácido val-
próico que reduzem os níveis de HDACs estão
sendo usadas para induzir a morte das células
tumorais e conter o crescimento do tumor.(7)
Combinações de terapias epigené-
ticas (agentes demetiladores associados
com inibidores de HDACs) ou terapias
epigenéticas seguidas de quimioterapias
convencionais (ou imunoterapias), talvez
sejam mais efetivas, porque elas podem
reativar genes silenciados, incluindo genes
de supressão tumoral, que favorecem a
ativação de células para agirem de acordo
com estas terapias, matando as células
cancerosas.(2, 29, 33)
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O grande desafio para o futuro será limi-
tar os efeitos tóxicos em células normais e asse-
gurar que os efeitos inéditos destas drogas atin-
jam os genes marcados nas células tumorais.(7)
2.3 Projeto Epigenoma Humano
Após a concretização e término do
Projeto do Genoma Humano no ano de
2001, foi criado no mesmo ano o Projeto
Epigenoma Humano (HEP), de iniciativa
pública-privada. Este tem como objetivo
identificar, catalogar e interpretar a impor-
tância gênica dos padrões de metilação em
todos os genes, na maioria dos tecidos.(34)
Em 2004, foram publicados os pri-
meiros resultados de um estudo piloto desse
projeto envolvendo uma região do genoma
altamente densa em genes, a região do
Complexo Principal de Histocompatibilidade
(MHC). Tal complexo está localizado no cro-
mossomo 6, cujas funções são extremamen-
te diversas, sendo muitas relacionadas com
o sistema imune inato e adaptativo e estão
associados com a rejeição de transplantes,
doenças autoimunes, doenças relacionadas
a imunodeficiências, entre outras.(34)
Metilações diferenciadas nas cito-
sinas possibilitam evidenciar as diferenças
nos padrões de metilação ao longo do
genoma, que se acreditava ser específica
para as ativações de genes, para os tipos de
tecido e para os estados da doença. A iden-
tificação dessas variações nas posições de
metilação irá melhorar de forma significativa
a compreensão sobre a biologia do genoma
e auxiliar nos diagnósticos de doenças.(34)
Foram identificadas posições variá-
veis de metilação (MVP) nas proximidades
dos promotores dos genes e em outras re-
giões relevantes de aproximadamente 150
loci contendo o MHC em diversos tecidos
(cerebral, mamário, hepático, pulmonar,
muscular e prostático) de uma grande
quantidade de indivíduos.(34)
Para o projeto-piloto, foram de-
senvolvidas tecnologias para a análise
dos estudos epigenéticos, envolvendo
tratamentos utilizando bissulfito de sódio
e também uma ampla utilização de PCR,
para analisar e quantificar os padrões de
metilação do genoma.(34)
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A epigenética desponta como uma nova
fronteira a ser alcançada e transposta no cenário
médico-científico. A compreensão dos mecanis-
mos envolvidos no silenciamento e ativação de
genes, além daqueles conhecidos pela genética
molecular, permite a criação de modelos para
tratamento de doenças como o câncer. Sob esse
aspecto, este trabalho possibilitou uma análise
criteriosa dos mecanismos epigenéticos, dos pa-
drões de metilação usuais do genoma e forneceu
informações importantes sobre essa nova face da
Genética, que é a epigenética. O estudo de revi-
são permitiu reconhecer a complexidade dessa
nova área da Genética, que recentemente vem
despontando como uma forma de terapia mais
eficiente e menos agressiva para o tratamento
do câncer, principalmente. Além disso, permitiu
vislumbrar uma nova área de aplicação dos
conhecimentos da epigenética no que se refere
ao câncer: o diagnóstico e o acompanhamento
clínico da doença, por ensaios que identifiquem
o grau de metilação de genes relacionados com
o desenvolvimento e progressão do câncer.
ABSTRACT
Epigenetics is defined as modifica-
tions of the genome, heritable during cell
division, that do not involve a change in the
DNA sequence. Epigenetics mechanisms
act to change the accessibility of chromatin
to transcriptional regulation via modifica-
tions of the DNA and by modification or
rearrangement of nucleosomes. These
mechanisms are critical components in the
normal development and growth of cells.
Epigenetic gene regulation collaborates with
genetic alterations in cancer development.
In this review, we had examined the basic
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70
principles of epigenetic mechanisms and
their contribution to cell cycle control, as
well as, the clinical consequences of epi-
genetics errors. In addition, we addressed
our approach to epigenetic pathways in the
treatments against cancer and the results
of the Human Epigenome Project (HEP).
Key words: DNA methylation; modifica-
tions of histones; CpG islands.
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